O Samba de Roda hoje: “primeiros passos”
CAPÍTULO 1
Como o próprio nome já indica, o Samba de Roda deve ser feito em roda. Com a notabilização desse bem cultural, alguns grupos apresentam-se pelo Brasil e até fora do país, o que sem dúvida significa um ponto favorável à sua revitalização e revalorização. Essas apresentações, devido à conformação dos espetáculos tais como os conhecemos hoje, dão-se no formato palco-plateia, entretanto o Samba de Roda tradicional, como ocorria e ocorre no Recôncavo Baiano, dá-se em roda, necessariamente.
Muitas são as possíveis interpretações para esse fenômeno.
A primeira delas, de ordem histórica, associa o samba a outras expressões culturais, como a capoeira e o candomblé. Inclusive, como afirma a historiadora e arqueóloga Fabiana Comerlato, em culturas com maior contato com a natureza, é muito comum a circularidade, já que o movimento circular é mais “orgânico”.
Essas expressões culturais contrapõem-se ao modo, por exemplo, como se dão ainda hoje as aulas nas escolas. As missões jesuíticas teriam trazido, segundo Fabiana, não apenas o cristianismo, mais precisamente o catolicismo, mas também o modus operandi das relações interpessoais e sociais.
De fato, hoje e então, a pessoa de maior saber permanece num patamar superior, diante de uma plateia que apenas assiste ao que lhe é transmitido. Há uma hierarquia entre os seres, assim como há uma hierarquia entre os saberes. O detentor do saber... fala; aquele que aprenderá... cala. Não há troca nem entre palco e plateia, nem entre os indivíduos que formam a audiência.
De modo muito distinto, a roda – e eis uma segunda interpretação para o fato de o Samba de Roda necessariamente se dar no formato circular – pressupõe a igualdade entre os participantes. Os indivíduos no samba, na roda, não são meros espectadores. Eles são chamados a participar ativamente dela, seja tocando um instrumento, seja dançando, seja batendo palmas. Vale a relação feita com a Távola Redonda. Assim como ocorria com o lendário Rei Arthur e seus cavaleiros:
"a alusão ao formato circular pode aqui ter relação com certa igualdade formal dos participantes, estando todos à mesma distância do centro e desfrutando do recíproco direito de – respeitadas as regras do jogo – sambar por alguns minutos no meio do contorno desenhado pelos assistentes.”
(Dossiê Iphan)
E realmente, se na mesa não há cabeceira, todos são importantes. Todos são, por assim dizer, “centrais”.
Francisca Marques, etnomusicóloga, faz uma terceira interpretação acerca do samba em roda. Segundo Francisca, a roda estaria relacionada ao próprio movimento da Terra, à grande mãe, ao ventre – e seria clara a relação com a “umbigada”, característica do samba de roda –, ao “feminino sagrado”, sendo um antigo arquétipo da humanidade.
(Canção composta pelo maestro Kleber Mazziero, sobre o tema)
A manifestação religiosa
Era feita em roda
A manifestação imperiosa
Era feita em roda
A manifestação cultural
Obedecia ao mesmo rigor formal
Se em roda o negro rezava
Se em roda o negro lutava
Era em roda que o negro se punha a cantar
A reza do negro
Era feita em roda
A luta do negro
Era feita em roda
O samba do negro
Era feita em roda
A vida do negro
Era ser da roda
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